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Svecenikova Djeca – The Priest’s Children – Os Filhos do Padre


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Os temas sexo e Igreja sempre rendem pano para manga. Especialmente quando eles são juntados em uma mesma história. Com música e início que flertam com a comédia, Svecenikova Djeca aos poucos vai se revelando mais sério do que parece. Este filme croata-sérvio trata de temas contemporâneos muito presentes dentro e fora da Igreja. Irônico, mexe em algumas feridas e também faz pensar.

A HISTÓRIA: Choro de criança. Depois, a imagem de um bebê chorando em um berço. Ao lado dele, outras crianças e, no meio delas, um homem barbudo. Batidas na porta. O capelão Simun (Filip Krizan) entra e cumprimenta o homem deitado na cama – que não tem nenhuma criança ao seu redor. Simun pergunta sobre a operação, e o homem comenta que não haverá nenhum aborto, antes de acender a um cigarro.

Em seguida, pergunta se Simun foi ali para daouvir uma confissão. Apesar da resistência inicial, o homem começa a contar a sua história, desde que ele chegou a uma ilha na Croácia logo após sair do seminário como padre Fabijan (Kresimir Mikic). A partir daí, conhecemos cada passo do padre no lugar, incluindo a missão que ele assume de buscar “empatar” o número de nascimentos com o de mortes.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a Svecenikova Djeca): Este filme começa com uma premissa inteligente. Um padre, recém-saído do seminário, assume a missão de substituir a um pároco muito popular. Incomodado com o alto número de mortes no local e com o baixo – para não dizer zerado – índice de natalidade, ele resolve agir.

Alguns temas fundamentais para a Igreja fazem parte deste filme. Entre outros, os espinhosos assuntos do sexo fora do casamento, da fidelidade e do pecado dentro da própria Igreja. Além dos assuntos que envolvem o catolicismo, Svecenikova Djeca aborda questões que são relevantes para a Europa, como a disputa entre povos, a imigração, a baixa natalidade e o fascínio que notícias sobre “locais milagrosos” despertam nas pessoas por intermédio da mídia.

A intenção do diretor e roteirista Vinko Bresan, que escreveu Svecenikova Djeca junto com Mate Matisic, claramente, é fazer comédia com estes assuntos. Ou, na melhor da hipótese, tocar nas feridas da Igreja para fazer uma crítica ao “modus operandi” de diversos de seus participantes. Francamente, os realizadores escolheram o caminho fácil, abordando os temas apenas pelo lado da crítica à Igreja.

Por ser formada por pessoas de carne e osso, a Igreja está suscetível a falhas. Não há dúvidas. Mas ela não é apenas isso. Também há muita dedicação, fé, entrega e caridade na Igreja. Mas os problemas é o que costumam ser ressaltados, e não os valores ou as qualidades. Dito isso, falemos do filme que aborda apenas um lado das questões.

Achei interessante a premissa de Svecenikova Djeca. Como o novo pároco de uma comunidade onde são registradas muitas mortes e quase nenhum nascimento deve se portar? Este drama de gente idosa partindo desta vida pra melhor e de pouca renovação na comunidade é vivido por muitas e muitas cidades na Europa. A Igreja, e todos sabem disso, defende a vida em qualquer situação. E nesta defesa, faz parte a premissa de que as mulheres que tem vida sexual ativa devem ter filhos sempre que for “a vontade de Deus”.

Evidentemente que esta ideia vai contra os meios de prevenção da gravidez. Afinal, se é da vontade de Deus, a mulher deve engravidar – e não evitar isso com contraceptivos ou o uso da camisinha. No início de Svecenikova Djeca, o protagonista nos mostra de maneira divertida e bem direta a grande diferença que separava ele do padre que ele deveria suceder, o padre Jakov (Zdenko Botic).

Enquanto o velho pároco estava bem inserido na comunidade e participava das principais atividades da ilha, Fabijan ainda tentava se encaixar. Em diversos momentos isto ficou evidente, como na Páscoa, quando se formou uma grande fila de pessoas querendo se confessar com Jakov e quase ninguém com Fabijan. Com pressa, o empregado de uma banca de jornais que também vendia camisinhas na entrada da cidade, Petar (Niksa Butijer), resolve se confessar com Fabijan. E daí que a história toda começa.

Em dúvida se estava pecando por vender camisinhas e impedir que diversas crianças nascessem, Petar confessa para o padre esta inquietude provocada por comentários de sua mulher, Marija (Marija Skaricic). Daí que Fabijan tem uma brilhante ideia: por que não dar uma “ajudinha” para Deus aumentar o número de nascimentos e casamentos naquela comunidade? E a partir daí que tudo vai se complicando nesta história.

Para mim, parece evidente que o padre protagonista não poderia simplesmente ter feito aquilo. Afinal, mesmo que ele fosse contrário ao uso de contraceptivos, ele jamais poderia atuar para acabar com o livre-arbítrio das pessoas. Isso seria contra o que prevê a própria Igreja. Além disso, não adianta apenas aumentar a natalidade. É preciso também ter sexo e relacionamentos com responsabilidade e com amor – esta é a base do que a Igreja defende, muito mais que simplesmente proibir a camisinha ou outros meios de contracepção.

Mas é claro que Svecenikova Djeca não iria “problematizar” a questão. É mais fácil pegar o tema da “proibição da camisinha” e o do “pecado carnal de padres” e tratá-los de forma ligeira, fazendo piada e crítica sobre eles, do que discutir estas questões mais à fundo. Ainda que o roteiro do filme seja ligeiro demais para o meu gosto, a verdade é que a dinâmica de Svecenikova Djeca se desenvolve muito bem em grande parte do tempo – apenas no final, quando Jure (Goran Bogdan) começa a dar o seu “showzinho de bêbado” é que a história fica um pouco arrastada.

Querendo ou não, o roteiro de Bresan e Matisic mostra criatividade e alguns acertos. A dinâmica é boa, como comentei antes, e há personagens interessantes além dos padres. Por exemplo, a dupla Petar e Marin (Drazen Kuhn), que acaba sendo a grande “aliada” de Fabijan na “missão” de fazer a natalidade da comunidade avançar. Os dois acabam investigando a vida amorosa de todos naquela comunidade. Para isso, utilizam com bastante frequência os seus celulares, produzindo vídeos e fotos como provas. hehehehe. Essa foi uma sacada genial. Afinal, nunca a tecnologia foi uma aliada tão eficaz para acabar com a privacidade das pessoas.

Pouco a pouco o padre Fabijan e seus “comparsas” acabam “ajeitando” a vida pregressa dos casais, ajudando quem fazia sexo sem compromisso a formar suas “famílias”. Claro que a solução não seria esta. Para a Igreja, o sexo deveria vir só depois do casamento. E a união de duas pessoas deveria ser feita por meio do amor e do conhecimento profundo um do outro. O remendo que Fabijan orquestrou naquela ilha não garantia a felicidade dos casais, apenas melhorava a proporção nascimentos/óbitos.

Um acerto de Svecenikova Djeca é a ponderação que o filme faz sobre isso. Na sequência em que Petar observa a mulher com um recém-nascido no colo, fica evidente a intenção dos roteiristas em dizer que ter filho significa trabalho. Além de muitas despesas. Uma criança não deveria ser apenas desejada, mas também planejada. Os pais precisam (ou deveriam) estar preparados, em todos os sentidos. Esta é uma ponderação interessante do filme, ainda que seja explorada em segundo plano na história.

Algo interessante que esta produção explora e que independe do tema principal, que envolve a Igreja, é de como um ato falho leva a outro e assim por diante. Dificilmente alguém que conta uma mentira não precisa contar várias outras para encobrir a primeira. E o mesmo vale quando você toma uma atitude que muda a vida de uma ou mais pessoas. Quando vê, o protagonista desta história está tão perdido nos efeitos de seu ato de furar camisinhas que há pouca chance dele sair ileso daquela situação. E isso acontece na vida real de diferentes formas.

Dentro das críticas que o filme faz à Igreja, vale citar a chegada do bispo (Lazar Ristovski) na comunidade para averiguar uma carta irada escrita por Marija depois que ela encontra uma camisinha nas roupas do padre Fabijan. A preocupação do bispo é se o padre estava usando a camisinha com crianças – especialmente meninos – da paróquia. E chega a comentar que é preferível o padre usar a camisinha e não engravidar alguém como outros “padres irresponsáveis” haviam feito.

A conversa do bispo com Fabijan é, sem dúvida, a parte alta da crítica que Svecenikova Djeca faz à Igreja. Ali, além de citar os casos de pedofilia de sacerdotes de diferentes países e de falar sobre os cuidados que os padres deveriam ter, o bispo ainda joga a ideia de que se Fabijan estivesse indo para o caminho da pedofilia, teria que transferi-lo. É como se o filme dissesse que a Igreja apenas acoberta estas práticas. De fato, houve momentos e locais em que isso foi feito. Mas o Papa Francisco, atualmente, deixa claro que isto não deve mais acontecer.

E quando você acha que o filme já tinha explorado todas as fragilidades da Igreja possíveis… (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Daí os roteiristas resolvem pegar pesado e sugerem que o “adorado” padre Jakov era não apenas um explorador de menores – afinal, ele engravidou uma adolescente, Kristina (Lana Huzjak) -, mas que ele também poderia ser um assassino. Não fica claro, no filme, se ele era culpado apenas pela gravidez da menina ou se ele teria agido diretamente para concretizar a morte da jovem. Pesado, não?

De qualquer forma, discutir estes temas não é o propósito deste blog. E ainda que eu costume tratar dos assuntos dos filmes além de falar da qualidade deles, não vou me estender na discussão levantada por Svecenikova Djeca porque ela, afinal de contas, debate a prática de uma religião. E quando isso acontece, cada um vai se apegar no argumento que melhor lhe interessar. Há quem vai enxergar apenas um lado da questão e há quem vai ponderar todos os lados, percebendo que há acertos, lógica, erros e tropeços neste debate.

Falando exclusivamente do filme, Svecenikova Djeca é uma produção que apresenta criatividade e alguns bons momentos. A história flui em uma hora e meia de filme, com uma boa direção de Vinko Bresan e a escolha de bons atores nos papéis centrais. O protagonista, em especial, merece aplausos. Kresimir Mikic faz um ótimo trabalho como o padre Fabijan, apresentando todas as boas intenções e fragilidades do personagem.

Também gostei do cenário escolhido para narrar esta história. Interessante ver os costumes e as paisagens de um pedacinho da Croácia, este país que é tão pouco explorado pelos filmes. Curioso perceber como as características daquele lugarejo se parecem com as de muitos outros lugares do mesmo porte e que estão em diferentes culturas. No fim das contas, o mundo é mesmo um pequeno grão de feijão. Temos mais semelhanças que diferenças para compartilhar.

NOTA: 8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: A história de Svecenikova Djeca segue a linha clássica de mostrar o principal do enredo com um flashback. Depois de vermos ao protagonista internado em uma instituição – sem sabermos, a princípio, se ela é para tratamento de saúde física ou mental -, somos apresentados à sua história com uma volta ao passado. O narrador é também o personagem principal, que está se confessando.

Pela história ter a dinâmica acima, a direção de Vinko Bresan trilha o caminho básico. A câmera dele normalmente fica estática, sem movimentações ou uma grande dinâmica. O foco está nos atores, sem inovação nas cenas – como alguns diretores fazem ao focar em outros elementos que fazem parte do contexto ou em planos diferenciados para quebrar a narrativa e/ou aprofundá-la.

O único recurso diferenciado que Bresan utiliza para quebrar a narrativa são as cenas em um cenário branco que reproduzem a imaginação do padre Fabijan. Criadas como esquetes curtas, estas cenas ajudam a mostrar como o padre tem uma visão esquemática e um tanto “criativa”. 🙂

Da parte técnica do filme, vale destacar o bom trabalho do diretor de fotografia Mirko Pivcevic e a competente edição de Sandra Botica. A trilha sonora assinada por Mate Matisic acaba sendo um recurso importante para o filme, ainda que ela carregue um pouco demais na ideia de comédia – e em muitas ocasiões este filme não faz rir.

Além dos atores já citados, responsáveis pelos principais momentos do filme, vale citar o nome de uma atriz que aparece menos na produção, mas que acaba ganhando uma relevância maior perto do final: Jadranka Djokic se sai bem como a louca Ana.

Svecenikova Djeca estreou em janeiro de 2013 na Croácia e na Sérvia, países que são responsáveis pela produção. Em julho do ano passado o filme participou de seu primeiro festival, o Karlovy Vary. Depois, o filme participaria ainda de outros seis festivais. Nesta trajetória o filme recebeu dois prêmios e foi indicado a outros dois. Os que recebeu foram o de Melhor Ator Coadjuvante para Niksa Butjer no Festival de Cinema Pula (promovido na Croácia) e um prêmio chamado “A Look at the Balkans Award” para Vinko Bresan no Festival de Cinema de Thessaloniki (realizado na Grécia e mais conhecido que o anterior).

Os usuários do site IMDb deram a nota 6,9 para esta produção. Uma boa avaliação. O site Rotten Tomatoes tem apenas uma crítica sobre o filme – e ela é positiva. Para Ben Sachs, do Chicago Reader, esta coprodução sérvio-croata “começa como um tapinha (embora agradável) de sátira anticlerical antes de ter várias reviravoltas surpreendentes, algumas com assuntos bastante obscuros (uma das piadas mais audaciosas faz alusão à limpeza étnica)”.

O crítico compara o trabalho de Bresan com o do diretor espanhol Alex de la Iglesia afirmando que os dois conseguem preservar o tom brilhante, quase de desenho animado, de seus filmes não importando o que pode acontecer de ruim na história. A crítica original e curta de Sachs pode ser conferida aqui.

Não tratei antes sobre este tema, mas Sachs tem razão ao afirmar que outros temas densos são tratados por Svecenikova Djeca além da questão “crítica à Igreja”. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). O personagem de Marin se revela um extremista xenófobo e racista. A ponto de ser movido para a missão com o padre pela vontade de encher a ilha de descendentes bósnios e impedir, assim, a “ocupação” de muçulmanos e ortodoxos. Ele é que tem a ideia de mexer com as pílulas anticoncepcionais e diafragmas. Mas ele quase desiste do plano quando os estrangeiros começam a chegar no local – e, claro, Marin é contra os estrangeiros, especialmente sérvios e mouros. Assustador, mas muitos pensam como ele e acham que o ideal seria isolar as suas comunidades desta “gente vinda de fora”. Coitados!

Eu ia terminando estes comentários sem citar algo que, para mim, foi o ponto alto do filme: quando a notícia sobre o aumento da fertilidade da ilha onde se passa esta história ganha as notícias e o local passa a atrair turistas mesmo fora da temporada. Grande ironia! De fato, muita gente é atraída por qualquer superstição para tentar conseguir o que deseja. No caso do filme, muitos casais que tentavam ter um filho e não conseguiam buscaram a “magia” de um lugar como a ilha croata para tentar mudar a própria realidade. E pensar que isso acontece fora do cinema…

CONCLUSÃO: É fácil criar polêmica. Basta pegar temas delicados e fazer comédia com eles. Svecenikova Djeca entra na seara da fertilidade e da postura da Igreja sobre a concepção para fazer rir e também para fazer críticas. De fato, em alguns momentos, o filme consegue o primeiro intento. Mas a respeito do segundo… a leitura que Svecenikova Djeca faz da Igreja é muito, muito rasa. Típica de quem só consegue ver uma face da moeda. Como toda obra artística, este filme tem os seus propósitos e consegue atingi-los. Mas para quem conhece a Igreja um pouco mais de perto, a superficialidade do roteiro chega a incomodar. Nada demais, no fim das contas. Para resumir, eis um filme curioso, carregado de intenções muito evidentes e que enxerga apenas um lado da argumentação, mas que acaba cumprindo o seu papel para o debate e para alguns momentos de diversão.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

2 respostas em “Svecenikova Djeca – The Priest’s Children – Os Filhos do Padre”

Ótimo texto! Mas tive uma interpretação um pouco diferente. Quando vc argumenta qo filme só mostra um lado da moeda, bom eu pensei justamente o contrário! Enquanto as críticas existem, tem o padre fabijan (não vou entrar no mérito de discutir a atitude dele com os preservativos), e pra mim isso foi uma ilustração muito bem feita de que a igreja (e outras instituições também) é feita por homens, ao mesmo tempo que existem pessoas boas, existem pessoas que não são boas e nenhuma nem outra pode apagar o que a outra faz, ou seja, não se deve fechar os olhos pros problemas, nem ignorar tudo de bom q é feito por causa desses problemas. Achei o final uma jogada interessante, ele conseguiu passar o segredo p frente, sem quebrar o voto que ele fez, tentou fazer o certo sem dar as costas pra fé dele. Bom, só uma opinião

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